quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Boletim 349
Publicamos hoje, na íntegra, a resposta da Anpuh à revista Veja, que fez comentários ridículos e mesquinhos sobre Hobsbawm. E há, ainda, um interessante texto, aliás, o primeiro ai embaixo.
Problemas técnicos com um wirelles péssimo impediram a colocação de imagens neste número.
Lamentamos o inconveniente.

ARTIGOS COMPLETOS
Afinal, quem escreve a História?
(Por Washington Novaes em 09/10/2012 na edição 715 do Observatório da Imprensa)
A morte, há poucos dias, do escritor mineiro Autran Dourado, aos 86 anos, traz de volta episódios e narrativas da História política brasileira das últimas décadas a respeito de acontecimentos que continuam a esperar a sua elucidação. Autor de livros importantes –como O Risco do Bordado, A Barca dos Homens, Ópera dos Mortos e Os Sinos da Agonia, entre outros –, ganhador do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, e do Prêmio Camões, Autran teve também atuação política destacada, principalmente como secretário de Imprensa do presidente Juscelino Kubitschek. E é dessa época um episódio que ainda precisaria de uma versão definitiva e que ele narra em Gaiola Aberta – Tempos de JK e Schmidt, editado em 2000 (o poeta Augusto Frederico Schmidt foi das pessoas que mais influenciaram o então presidente).
Quando trabalhava na revista Visão, no final da década de 1960, o autor destas linhas ouviu do então jornalista, depois secretário de Estado e ministro do Tribunal de Contas fluminense Luiz Alberto Bahia episódio que explicaria a origem da famosa e repetida frase jusceliniana “Deus poupou-me do sentimento do medo”, que está inscrita em pedra, em Brasília. Segundo Bahia, a frase foi uma reação de JK ao veto de coronéis do Exército e da Aeronáutica, em manifesto, à candidatura de Juscelino à Presidência da República, em 1955. Juscelino, disse Bahia, foi logo cedo à redação do jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, em busca de apoio; sabia que estaria liquidado se não reagisse; e o jornal era, então, muito forte na área política.
Paulo Bittencourt, dono do jornal, aceitou desafiar o veto militar, mas condicionado a uma entrevista do próprio JK, que seria escrita (inclusive criando a frase que se tornaria famosa) por Álvaro Lins, expoente da crítica literária e editorialista do Correio. Juscelino teria lido o texto e concordado com tudo, mas pediu algumas horas de prazo para ir a Belo Horizonte e “ouvir nossos amigos de Minas”. A entrevista foi para a oficina do jornal e ficou pronta para ser impressa. Mas a confirmação de JK não vinha, passadas muitas horas. As informações obtidas em Belo Horizonte, por telefone, diziam que ele continuava a portas fechadas com a cúpula do PSD mineiro.
A frase que incomodava
Já era mais de 2 horas da madrugada quando Álvaro Lins entrou na sala, acordou Paulo Bittencourt e anunciou que JK liberara por telefone o texto – que teve enorme repercussão política e permitiu um movimento de repúdio ao veto militar. Bahia, entretanto, ao relembrar o episódio, dizia ter certeza que JK não respondera e Álvaro Lins é que assumira o risco e os possíveis ônus (acabou sendo chefe da Casa Civil da Presidência de JK). Aí termina a versão narrada por Luiz Alberto Bahia.
Passado quase meio século, outra versão surgiu no livro de memórias de Autran Dourado. Um trecho: “JK saiu e Schmidt se pôs a escrever. A certa altura ele me perguntou se eu achava que Juscelino era mesmo corajoso como arrotara. Eu disse achar, apesar de Benedito Valadares dizer que JK queria bancar o Tiradentes com o pescoço dos outros.” “Até que ponto?”, perguntou o poeta. Autran respondeu: “Pode escrever: Deus poupou-me o sentimento do medo.” Schmidt: “É bonita e de muito efeito. Mas será que o nosso homem a dirá?” E Autran: “Vamos ver, acho que sim, experimentemos.”
Segundo Autran Dourado em suas memórias, quando o texto foi mostrado a Juscelino, ele se sentiu inquieto com a frase e pediu para ir à casa do general Nelson de Mello, que depois seria ministro do Exército. Este também ficou incomodado ao lê-la e na mesma hora chamou sua esposa, dona Odete, para quem leu a frase. E quando ela perguntou ao marido se ele é que iria dizer a frase, o general respondeu: “Não, é o doutor Juscelino aqui.” Dona Odete pediu licença para dar alguns telefonemas a amigas, saiu e voltou meia hora depois, quando garantiu a JK: “Pode dizer; numa hora destas é preciso se mostrar homem. É o que se espera.”
Fonte de inspiração
JK, diz Autran Dourado, saiu dali e foi para a sede do PSD carioca, leu o discurso com a frase e foi ovacionado. Repetida em todas as conversas políticas, a frase tomou conta do mundo político. E acabou superando o veto militar. Juscelino elegeu-se presidente, Schmidt tornou-se um de seus principais conselheiros políticos, Álvaro Lins foi para a embaixada em Portugal e Autran Dourado assumiu a área de Comunicação da Presidência.
Mais de meio século depois, com os personagens centrais já mortos, assim como os narradores das versões divergentes do episódio, permanecem as dúvidas. Quem escreveu o texto: Augusto Frederico Schmidt, Álvaro Lins ou Autran Dourado? Quem Juscelino consultou: Benedito Valadares, os políticos mineiros ou o general Nelson de Mello? De quem foram as palavras decisivas: dos conterrâneos de JK ou da esposa do general – referendadas por ele? O que foi crucial para superar algo tão grave como um veto conjunto de setores do Exército e da Aeronáutica?
Seja como for, o episódio foi decisivo na sucessão de 1955. E agora, com Juscelino, Paulo Bittencourt, Augusto Frederico Schmidt, Álvaro Lins, o general Nelson de Mello e sua esposa, além de Luiz Alberto Bahia, já falecidos, a morte do último protagonista central – Autran Dourado – deixa pouca ou nenhuma possibilidade de esclarecer definitivamente a História, registrada na pedra em Brasília.
Faz diferença? Faz. Sempre é importante saber como se escreve ou escreveu a História, quais são as suas lições. Vivemos momentos difíceis, em termos políticos, econômicos, sociais, diante de crises muito graves em âmbito planetário ou nacional. Temos decisões complicadas a tomar em quase todas as áreas. A História e seus personagens podem ser fonte importante de inspiração.
***
[Washington Novaes é jornalista]

Historiadores chamam revista Veja de 'medíocre, pequena e mal intencionada'
Associação divulga nota de repúdio contra a revista, que chamou o historiador Eric Hobsbawm de 'idiota moral'
São Paulo – A Associação Nacional de História (Anpuh) divulgou ontem (9) nota em que “repudia veementemente” o tratamento dado pela revista Veja ao historiador Eric Hobsbawm – que o chamou de “idiota moral” na matéria sobre sua morte (ocorrida no dia 1º) publicada na edição desta semana.
Segundo a nota, trata-se de “um julgamento barato e despropositado”, que revela uma mentalidade “medíocre, pequena e mal intencionada”.
Leia a íntegra:
Resposta à Revista Veja
Na última segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador inglês Eric Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta obra a respeito da formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no século XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais. Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando do apogeu do stalinismo. Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que organizavam, estavam a fazer História. Entendeu assim, o cotidiano e as estratégias de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento capitalista. Mas Hobsbawm não foi apenas um "acadêmico", no sentido de reduzir sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental. Fiel à tradição do "intelectual" como divulgador de opiniões, desde Émile Zola, Hobsbawm defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um lado. Empenhou-se desta forma por um mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano. Claro está que, autor de obra tão diversa, nem sempre se concordará com suas afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de todo homem formulador de ideias. Como disse Hegel, a importância de um homem deve ser medida pela importância por ele adquirida no tempo em que viveu. E não há duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos homens mais importantes do século XX.
Eis que, no entanto, a RevistaVeja reduz o historiador à condição de "idiota moral" (cf. o texto "A imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm", publicado em www.veja.abril.com.br). Trata-se de um julgamento barato e despropositado a respeito de um dos maiores intelectuais do século XX. Veja desconsidera a contradição que é inerente aos homens. E se esquece do compromisso de Hobsbawm com a democracia, inclusive quando da queda dos regimes soviéticos, de sua preocupação com a paz e com o pluralismo. A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável e, sim, ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação. O tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto "historiador esquerdista", dito de forma pejorativa e completamente destituído de conteúdo. E é assim em toda a "análise" acerca do falecido historiador. Nós, historiadores, sabemos que os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus acertos. Seguramente Hobsbawm será, inclusive, criticado por muitos de nós. E defendido por outros tantos. E ainda existirão aqueles que o verão como exemplo de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas e dúvidas que se entrelaçam. Como historiador e como cidadão do mundo. Talvez Veja, tão empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada.
São Paulo, 05 de outubro de 2012
Diretoria da Associação Nacional de História
ANPUH-Brasil
Gestão 2011-2013




VALE A PENA LER

Os Índios e o Brasil,
passado, presente e futuro
Assunto: História

Quem é índio no Brasil? Qual a sua situação no país? Que relação ele estabelece com o meio ambiente? Quais são as diferenças entre os índios de 1500 e os de hoje? Como eles vivem, que língua falam e onde vivem? Eles são brasileiros?
Sim, eles são brasileiros natos e originários. E estão espalhados em todos os estados do país. O antropólogo e ex-presidente da Funai Mércio Pereira Gomes responde a essas e muitas outras perguntas sobre os primeiros habitantes destas terras. Em um livro completo e atualizado, o autor mostra quem são os povos indígenas que aqui habitam, quais são as políticas indigenistas desde a colonização, revela os interesses econômicos que desafiam os índios e rebate o discurso comum ao enfatizar o ponto de vista do índio.
Valendo-se de informações preciosas para analisar e interpretar a questão do índio no Brasil, a obra revela como chegamos a uma reversão histórica na demografia indígena. Ou seja, a população indígena deixou de diminuir, como ocorria desde 1500, e está aumentando. Isso não significa, porém, que os obstáculos foram todos superados. O texto discute a história, o presente e os desafios para o futuro dos índios no Brasil.
Editora Contexto, 304 páginas, 47 reais

Já está publicada a Revista Espaço Acadêmico, nº 137, outubro de 2012
Entre os artigos, destacamos:
Fascismo. Um risco real para o mundo de hoje?
A plutocracia capitalista e a diluição da experiência ética

Um reino africano no Centro de Minas? ( Parte 1)
No início do século XVIII, surgiu mais ou menos na região centro-oeste da então Capitania de Minas Gerais, uma confederação de quilombos que, no conjunto, passou a ser conhecida como Quilombo do Rei Ambrósio, ou do Campo Grande.
Leia a matéria completa em: http://antijornalismo.blogspot.com.br/

Para quê o poder econômico compra eleições
Ladislau Dowbor descreve a colonização do Estado -- que resulta em obras viárias imensas e inúteis, ou no enriquecimento contínuo do setor financeiro. Em Carta Maior
Informática e redes na Educação: para transformar ou repetir?
Novas tecnologias podem revolucionar as formas de obter e compartilhar conhecimento. Mas ainda predomina tendência a usá-las como simulacro da escola tradicional. Por Helena Singer, no Portal Aprendiz
Retratos da desigualdade brasileira: as crianças-domésticas do Pará
Enviadas a Belém "para estudar" e empregadas em casas das elites e classe média, meninas do interior do estado vivem em alguns casos rotinas de trabalho exaustivo, humilhações e castigos físicos. Por Ana Aranha, em A Pública
Caminhos para Outro Desenvolvimento
Diante da crise ambiental e desigualdades crescentes, multiplicam-se, também no Brasil, experiências de Economia Ecológica. Como elas podem contagiar sociedade? Por Ivo Lesbaupin
E se não for apenas um slogan?
Nova forma de produzir e distribuir riquezas, baseada em lógicas pós-capitalistas, está em construção. Outras Palavras abre coluna que pretende tornar movimento visível. Por Antonio Martins
Quando os mercados ruem
Como nos anos 1930, estamos diante de bifurcação histórica. Ela pode levar ou a ordem mais justa, ou a pesadelos ultra-autoritários. Por Felipe Amin Filomeno
Surpresa:as duas derrotas dos EUA na América do Sul
Conferência dos ministros de Defesa rechaça planos de Washington. E a Venezuela caminha para parceria estratégica com a China. Por Mário Zibechi

 CAFÉ HISTORIA

MURAL DO HISTORIADOR: ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA ANTIGA E MEDIEVAL
O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) faz saber aos interessados que, no período de 04 de Setembro à 08 de Novembro de 2012, estarão abertas as inscrições para o Curso de Especialização em História Antiga e Medieval para turma com início em 2013 / 1º semestre. E não perca, também na seção Mura do Historiador: revista da UFMG faz convocatória para artigos sobre História da África no Brasi[Leia mais]
CAFÉ EXPRESSO NOTÍCIAS: NOVO SISTEMA DE COTAS NAS UNIVERSIDADES
Ao todo, 50% das vagas serão reservadas para quem cursar todo o ensino médio em escolas públicas. E pelo menos 12,5% já nesse vestibular. [Leia mais]
CINE HISTÓRIA: MOONRISE KINGDOM
Anos 60, em uma pequena ilha localizada na costa da Nova Inglaterra. Sam (Jared Gilman) e Suzy (Kara Hayward) sentem-se deslocados em meio às pessoas com que convivem. Após se conhecerem em uma peça teatral na qual Suzy atuava, eles passam a trocar cartas regularmente. Um dia, resolvem deixar tudo para trás e fugir juntos. O que não esperavam era que os pais de Suzy (Bill Murray e Frances McDormand), o capitão Sharp (Bruce Willis) e o escoteiro-chefe Ward (Edward Norton) fizessem todo o possível para reencontrá-los. [Leia mais]
DOCUMENTO HISTÓRICO: CARTAZ DO FILME "A HARD DAY'S NIGHT"
"A Hard Day's Night" - Filme produzido pelos "The Beatles" em 1964. Foi o primeiro filme realizado pela banda e junto
ao filme foi lançado um álbum com o mesmo nome. [Saiba mais]
CONTEÚDO DA SEMANA: REGULAMENTAÇÃO PROFISSÃO HISTORIADOR
Grupos de Estudos criado para discutir a regulamentação da profissão de historiador no Brasil. [Leia mais]


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